Entre o cio e a prece
sou o murmúrio seco em areia de deserto
a onda que esvoaça e queima a céu
aberto
sou a doçura que o medíocre desconhece
o imaginário da criança ao se por em
prece
um sorriso de avô ao segurar um seu
neto
sou dois metros de cura e um quilo de
afeto
alguma medida de uma paixão desmedida
o cálice afastado e a bebida mais
pedida
uma joia rara que o dinheiro não
alcança
cada unha gasta no afã de coçar a pança
a TV desligada, cega, suja e
maltrapilha
num mar de lama, de botas, sou como
ilha
sou feito um cão comendo palavras no
cio
uma bomba precoce, armada sem um pavio
eu sou a dor, o amor, a vida e a morte
a paixão, o desapego, a desgraça e a
sorte
sou um caçador de olhos ávidos, no
fundo
detonando pragas, remoendo o seu mundo
sou um passeio elíptico em seio convexo
e tudo que mais há no verso do meu
verso
Esse texto é mais uma tentativa de definir o meu “eu” poético, não de maneira estática ou racional, mas por meio de metáforas contrastantes que revelam a multiplicidade dessa experiência, em que a voz poética tem a pretensão de se afirmar (e muitas vezes se afirma) como uma força viva, contraditória, sensível e potencialmente devastadora.
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